Quem passa pela esquina da rua Sonata ao Luar com a rua Estado do Mato Grosso do Sul, na zona leste de São Paulo, encontra um muro que recentemente ganhou novas cores.
As mensagens “Matam AgathaS para que não se tornem MarielleS”, “Vidas negras importam” e “Agatha presente” compõem o mural com uma representação de Ágatha Félix. O trabalho foi feito por dois artistas visuais na Vila Yolanda II, bairro que pertence ao distrito de Cidade Tiradentes.
Ágatha Félix, 8, foi assassinada no complexo do Alemão, Rio de Janeiro, em 20 de setembro deste ano, com um tiro nas costas enquanto estava dentro de uma kombi. As investigações ainda não foram concluídas sobre de onde partiu o disparo.
“Quando Ágatha foi assassinada ficamos inteiramente abalados, por motivos óbvios: fazemos atividades com crianças, convivemos com elas e depositamos nossa fé nelas. Ver um acontecimento desses é como morrer junto”, conta Helton Silva, 27.
Ele é responsável pela comunicação e integrante do Instituto Du Gueto, coletivo que nasceu e atua em Cidade Tiradentes promovendo cultura e educação.
“Gosto de fazer esses trabalhos que passam uma mensagem, faça algum protesto e com que o público reflita sobre o assunto, essa é a função do grafite, foi para isso que ele surgiu, não apenas para ser objeto de decoração”, ressalta Leonardo Ferreira Magalhães, 27, artista plástico que fez a parte do mural com a imagem de Ágatha.
Após a arte ter sido finalizada, o artista recebeu mensagens de moradores nas redes sociais e convites para participar de eventos em outros bairros. “Fazer essa representação na comunidade em que eu nasci, tem um peso enorme. É uma grande responsabilidade. Fica a mensagem de alerta e protesto para os moradores.”, conta o artista.
Inspirado por uma foto em que a menina usava a roupa da personagem Mulher Maravilha, Leonardo pintou Ágatha com elementos que remetem a um anjo “porque é assim que a imagino, uma criança pura, semblante angelical”.
Além disso, a base da arte tem uma espécie de “tinta escorrida”, uma característica da identidade visual do grafiteiro que, neste caso, também faz alusão ao sangue derramado.
O outro lado do mural, com a frase que também homenageia Marielle Franco, 38, — vereadora executada no Rio de Janeiro em 14 de março de 2018 —, foi feito pelo professor de dança e artista plástico Wilian de Sousa Sena, 32, conhecido como Uiu (assinatura que significa Utilize Inteligência Universal).
Wilian faz tratamento contra a depressão. Os pássaros azuis presentes em suas obras são “como se fossem a voz que não me deixa desistir”, diz o grafiteiro sobre a representação da ave no mural.
Para ele, o impacto positivo da arte é fazer as pessoas se questionarem. No caso do grafite, isso estimula para que busquem saber quem foram e qual o legado das cariocas homenageadas. “As crianças têm onde se espelhar”, resume. “Toda forma de luta tem representatividade, assim como elas temos tantas outras pessoas que estão nos incentivando da mesma forma. A voz das periferias é bem forte”.
Maria Lucia Vieira, 60, é enfermeira de formação e aposentada. Vizinha do muro em que a arte foi feita, ela criou uma pequena biblioteca em uma área aberta da casa a pedido da neta de 9 anos.
A moradora comenta que a arte em homenagem à Ágatha e Marielle lembram a violência e destaca a direcionada contra a mulher.
“Acho importante porque esse grafite vai sempre lembrar de como que a gente pode cuidar das nossas crianças, de onde mora, das nossas ruas”, afirma Maria Lucia Vieira
O grafite foi realizado durante a terceira edição do evento “A Rua é Nossa”, do Instituto Du Gueto em colaboração com outros grupos formados por artistas da região como Baque CT, BrinquedoRIA, Ainda Existe Amor em SP, Hotstepper Brasil e ALI: (Arte Livre Itinerante).
“Sempre priorizamos aplicar reflexão social e cidadania por meio de cultura, arte e educação”, explica Helton sobre a escolha da homenagem.
Para ele, a presença das cariocas em um bairro paulistano pode influenciar outras lideranças a serem ativas e cobrarem direitos, como fez Marielle.
Além disso, o comunicador diz que o contexto de violência no Rio de Janeiro é comum em outras periferias do Brasil. Ele exemplifica com a morte de um menino de 11 anos por um guarda civil metropolitano em Cidade Tiradentes há cerca de dois anos.
Ele ressalta que alguns moradores apontaram semelhanças da menina com filhas e sobrinhas do bairro. “Cremos que isso traz reflexões e, com trabalho de formiguinha, vamos mudando nossos contextos”, afirma.