Correspondente do Capão Redondo narra a saga imposta a quem precisa do apoio de R$ 600, mas que ainda não conseguiu o acesso pelo aplicativo
Léu Britto/Agência Mural
Por: Cleberson Santos
Crônica
Publicado em 30.04.2020 | 9:32 | Alterado em 19.05.2020 | 17:46
Agora, quando começo a escrever esse texto, são 5h56 da quarta-feira (29). Eu acordei bem mais cedo que o normal apenas para tentar entrar no aplicativo Caixa Tem. Na primeira tentativa recebi a mensagem “our service aren’t available right now” (“nosso serviço não está disponível no momento”). E vamos de fila de novo.
O aplicativo Caixa Tem é a única forma possível de ter acesso aos R$ 600 do auxílio emergencial (aos que conseguiram ser aprovados pela “primeira fase” no outro aplicativo do auxílio).
Veja como pedir a segunda parcela
Muitas vezes meu sentimento em relação ao Caixa Tem me fazia lembrar de um antigo meme do programa Polícia 24h, da Band: “nunca pensei que ia ser otário… fui otário”.
E olha que eu sou até acostumado com as filas de espera virtuais. Em 2016, fiquei mais de uma hora para conseguir entrar no site que vendia os ingressos para a partida entre Palmeiras e Chapecoense, que valeu o título do Campeonato Brasileiro daquele ano.
Também acompanhei bem de perto minhas amigas tentando, muitas sem sucesso, comprar ingressos para a turnê da dupla Sandy e Júnior no ano passado. Nada disso se compara ao que está sendo a fila do Caixa Tem.
Minha relação com o simpático aplicativo simbolizado pelo emoji 🙂 começou há mais de 10 dias, quando consegui a aprovação no auxílio emergencial.
Por ser MEI (microempreendedor individual), tenho direito aos R$ 600 fornecidos pelo governo como apoio durante a pandemia do novo coronavírus. Como trabalho como freelancer, um dos meus jobs em jornalismo foi interrompido e o valor seria muito bem-vindo.
No primeiro momento pensei que o pior havia passado (superei o ‘Em análise’ do primeiro aplicativo). Contudo, foi aí que começou o verdadeiro sofrimento. Depois de seguir todos os passos de acesso ao app, recebo o aviso de que “estamos fazendo verificações de segurança”. Ok, só esperar de novo, como no outro aplicativo. Foi assim um dia, dois dias, três dias…
Chegou a segunda-feira (27), data para o saque de quem nasce em janeiro e fevereiro, meu mês de nascimento. Acordei cedo, não para encarar a fila, mas para conseguir gerar um código no aplicativo que era a única forma possível de conseguir fazer o saque.
Abro um parêntese aqui para esse detalhe importante. Acho que faltou a nós jornalistas dar mais destaque a este código. Imagino que muita gente não sabia desta informação e isso poderia ter evitado as filas que começaram na noite de domingo em muitas agências da Caixa.
Espero que essas pessoas tenham sido atendidas corretamente e orientadas a gerar o código ali mesmo, depois de várias horas de fila e, possivelmente, exposição ao vírus.
BATALHA
Como eu não conseguia sequer ver meu saldo por conta da verificação de segurança, e ciente da exigência do tal do código, nem me aventurei a ir para a agência e correr o risco de viagem perdida. Passei o dia todo, sem exageros, tentando resolver isso em casa, numa batalha épica entre o homem e a tecnologia que insistia em rir da cara dele.
Comecei a olhar no Twitter e no Google quais eram as mágicas que as pessoas fizeram para conseguir fazer a transferência: usa pelo 4G, desinstala o aplicativo, apaga os dados, reseta o cadastro na Caixa e cria outro. Tentei tudo isso, não consegui nada.
Meu sentimento a respeito do Caixa Tem era que ele foi feito para você não conseguir o auxílio emergencial. Até entendo a justificativa oficial da Caixa, de que muitas pessoas que não tinham direito ao auxílio fizeram o cadastro, o que gerou demora na aprovação.
Contudo, o Caixa Tem é uma segunda etapa deste processo, apenas para os aprovados, e, em teoria, deveria ser mais fácil.
FILA INVISÍVEL
Na terça-feira (28), eu sequer consegui entrar no aplicativo. Por inúmeras vezes eu fiquei na fila de espera e o máximo que conseguia era um “você saiu da fila” ou “estamos com muitos acessos no momento”.
Aqui mais um dos requintes de crueldade. Um cronômetro aparece na tela e começa a contar 1 minuto (às vezes são dois). Quando termina a contagem, um círculo carrega um pouco e depois reabre a contagem que simboliza seu ‘avanço’ na fila. Cada minuto carrega uma quantidade diferente e se você sair dali, volta ao começo da fila invisível.
Isso me fez ter que ficar constantemente de olho na tela para esperar pelo milagre. Digo, pelo acesso. Até que um amigo bom de TI (Tecnologia da Informação) me ensinou um jeito para que o smartphone nunca bloqueie a tela.
Minha última cartada foi acordar de madrugada para tentar mexer no aplicativo. Dois amigos meus que fizeram a transferência contaram que só conseguiram por volta das 6 da manhã.
Agora são 6h44, de fato consegui entrar no app com mais facilidade do que no dia anterior, mas sigo esbarrando na tal verificação de segurança.
Às 9h10 desta quinta-feira (30), enfim consegui acessar o saldo, após trocar a senha mais uma vez. O valor deu esperança de que é real o apoio. Mas não dariam essa vitória fácil.
O aplicativo agora falha nas tentativas de transferência. O código para saque no banco já não adianta, porque perdi minha data de saque. Vou abrir o Twitter, caçar novos tutoriais e tentar novamente. Que a Força esteja comigo.
Correspondente do Capão Redondo desde 2019. Do jornalismo esportivo, apesar de não saber chutar uma bola. Ama playlists aleatórias e tenta ser nerd, apesar das visitas aos streamings e livros estarem cada vez mais raras.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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