“Dará para comprar comida, que é o mais urgente agora”, avaliam moradores das periferias de SP; quarentena completa 10 dias
Léu Britto/Agência Mural
Por: Ana Beatriz Felicio | Lucas Veloso
Notícia
Publicado em 03.04.2020 | 18:16 | Alterado em 27.02.2024 | 16:22
“Dará para comprar comida, que é o mais urgente agora”, avaliam moradores das periferias de SP; quarentena completa 10 dias
Tempo de leitura: 5 min(s)Sozinha em sua casa em Cotia, cidade da região oeste da Grande São Paulo, a manicure e depiladora Vera Lucia de Oliveira, 41, se preocupa em como conseguirá arcar com os custos básicos nos próximos dias da quarentena iniciada para conter o coronavírus.
“Estou praticamente desempregada, porque ganho pelo que faço. Ainda não estou passando necessidade, mas o aluguel está para vencer e a comida está acabando”, aponta. “Não tenho reserva nenhuma. Nem para passar um mês ou dois meses”.
Ela faz parte de cerca de 40% da população brasileira que trabalha informalmente no país, de acordo com dados do IBGE de 2019. Este setor já começou a sentir no bolso os impactos da passagem do novo coronavírus no país. Só no estado são 7 milhões nessa situação.
Vera trabalha há seis anos no shopping da Granja Viana, também em Cotia. Apesar do tempo de casa, não possui vínculo empregatício nenhum com a rede onde atende. O shopping está fechado durante a quarentena que vai por enquanto até 7 de abril.
“Não tenho ninguém que possa me ajudar financeiramente, porque todo mundo está no mesmo barco que eu, o pessoal que trabalha comigo também é autônomo, então está difícil”, conta.
É para este público que desde o início da crise do coronavírus tem se discutido um apoio emergencial. Inicialmente, o governo federal falou em R$ 200. Porém, houve reações da população. “Para pessoas que vivem como eu, autônomos, que trabalham na rua, tinha que por um valor maior, porque a gente não tem previsão de quando vai voltar a trabalhar”.
Após o texto chegar ao Congresso Nacional, houve um aumento no valor previsto para R$ 600. “Não será suficiente, mas já ajuda. Dará para comprar comida, que é o mais urgente agora”.
APROVADO E REGRAS
Na quinta-feira (2) o governo federal publicou no Diário Oficial da União a lei que garantirá o auxílio de R$ 600 mensais aos trabalhadores informais e microempreendedores que se encaixam no perfil de renda baixa. No entanto, ainda não foi definido o calendário de pagamentos e quando irá começar.
Depois da aprovação do texto, o presidente editou uma MP (Medida Provisória) que abre crédito extra ao Ministério da Cidadania para pagar o benefício aos brasileiros de baixa renda. A medida tem vigência imediata, mas precisa ser aprovada pelo Congresso em até 120 dias.
PARA QUEM ESTÁ PREVISTO O AUXÍLIO EMERGENCIAL DE R$ 600
Maiores de 18 anos de idade, sem emprego formal;
Pessoas com renda familiar mensal por pessoa de até meio salário mínimo ou renda familiar mensal total de até três salários mínimos;
Outros requisitos
Não ser titular de benefício previdenciário ou assistencial, beneficiário do seguro-desemprego ou de programa de transferência de renda federal, à exceção do Bolsa Família;
Não tiver recebido rendimentos tributáveis acima de R$ 28.559,70 no ano de 2018.Também poderão
Microempreendedor individual (MEI);
Contribuinte individual do Regime Geral de Previdência Social que trabalhe por conta própria;
Apelidado de “coronavoucher”, o auxílio poderá ser pago para famílias que têm renda de até três salários mínimos, ou R$ 3.135,00.
No máximo, poderão receber duas pessoas por família. Mulheres chefe de família também receberão R$ 1.200. A previsão é que 54 milhões de trabalhadores sejam beneficiados com um custo de R$ 98 bilhões aos cofres públicos.
Para o economista Juan Pereira, 25, o valor a ser distribuído está abaixo do que o país poderia fazer pelos brasileiros. “Há muitos informais, aí pagam aluguel, cesta básica, contas de água, luz, internet. É possível com esse valor? Acho que não, e poderia ser mais ousado, consideradas as famílias mais numerosas”, diz. “É um alívio, mas aquém das necessidades por dignidade”.
Um estudo parcial, divulgado nesta segunda-feira (30), pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), mostrou que o custo da cesta básica teve aumento em 15 das 17 capitais pesquisadas entre 1 e 18 de março.
A cidade de São Paulo foi a segunda capital de estado com o grupo de produtos básicos mais caro, (R$ 518,50), atrás somente do Rio de Janeiro (R$ 533,65). Tomate, banana, açúcar e óleo são alguns produtos contabilizados na pesquisa.
Em relação ao gás de cozinha, usado por boa parte das pessoas nas periferias de São Paulo, estava com o preço médio do botijão de 13 quilos a R$ 69,91, em fevereiro.
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Nos últimos dias, devido à quarentena, o consumidor encontra o produto por R$ 75,50, segundo o Sindigás (Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Gás Liquefeito de Petróleo). Moradores têm relatado dificuldade para encontrar o produto.
“As pessoas experimentam o desemprego. E muita gente, para não fazer parte do contingente, aceitou a informalidade. O socorro é fundamental para os informais, como as empregadas domésticas, garçons e manicures”, ressalta o economista.
REGRAS
A ajuda que ainda não tem data para começar é esperada com ansiedade por moradores que já perderam os meios de garantir renda.
A pesquisa “Coronavírus nas favelas”, divulgada na semana passada, aponta que 72% dizem não conseguir manter o padrão de renda por ausência de reservas. Os dados foram colhidos pelo Data Favela com 1.142 entrevistas em 262 favelas de todos os estados do Brasil.
A situação tem levado comunidades a cobrarem ações especifícas para essas regiões.
Em Carapicuíba, na comunidade da Travessa Bootes, no Helena Maria, o casal Anelice Maria Tigre, 40, e Gezuino de Abreu Tigre, 46, integra esta estatística. Ela é diarista e cabeleireira e ele, jardineiro e conserta máquinas.
Baianos, vieram para São Paulo há 20 anos, onde tiveram um filho, hoje com três anos, e conquistaram a casa própria na Bootes. Apesar de ambos trabalharem, a renda não permite que façam grandes reservas financeiras.
“Eu e meu esposo não temos nada guardado. O único dinheiro que eu tenho na minha conta é R$ 300 que está lá para alguma emergência”, conta Anelice.
Ela possui um salão dentro da própria casa onde faz unhas, cabelo e trabalha como revendedora de cosméticos. Além disso, há três meses começou a fazer faxina duas vezes por dia em uma casa na Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo. Mas deixou de trabalhar e receber por causa do coronavírus.
“A minha patroa falou que eu ia pegar trem e ônibus. E as crianças dela também estariam em casa. Aí eu estou esperando ela me ligar para eu voltar”.
No salão, as coisas também estão paradas. “As pessoas estão com medo de vir fazer unha. Hoje eu fiz um pé, mas foi de uma sobrinha minha”, lamenta.
Uma das formas para receber o benefício será estar inscrito no CadÚnico (Cadastro Único para Programas Sociais), sistema utilizado para organizar os dados de quem recebe apoio social como o Bolsa Família.
No entanto, o cadastro de partes desses trabalhadores ainda terá de ser feito, caso da família de Anelice. Nesta sexta-feira (03), o Governo Federal anunciou que lançará um aplicativo para fazer esse tipo de cadastro, que poderá também ser realizado ao telefone ou via site. Entretanto, essas ferramentas ainda estão em desenvolvimento e devem ser liberadas apenas na próxima terça-feira (7).
Para ela, toda ajuda do governo neste momento é bem-vinda. “Pra quem não tem nada é bom, já serve para comprar uma coisa que precisar, principalmente para quem tem criança dentro de casa”.
Jornalista, curiosa, já foi apresentadora do Próxima Parada. Gosta de conhecer pessoas novas e descobrir o que as motiva a acordar todos os dias. Correspondente de Carapicuíba desde 2018.
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