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Reprodução

Por: Cleberson Santos | Gabriela Carvalho

Notícia

Publicado em 16.03.2023 | 16:26 | Alterado em 04.05.2023 | 14:37

“Fico muito angustiada, parece que não vai ter saída. Tenho medo de constituir uma família porque não sei, daqui 30 ou 40 anos, como vai estar a questão da água, da habitação”, desabafa a chef de cozinha social Talita Santos, 28. Este sentimento de insegurança em relação às mudanças climáticas, compartilhado não só por ela, tem nome: ecoansiedade.

O termo criado pela APA (American Psychology Association), a associação de psicologia dos Estados Unidos, define a ecoansiedade como o “medo de um cataclismo ambiental causado ao observar os impactos, aparentemente irrevogáveis, das mudanças climáticas, gerando uma preocupação consigo e com as próximas gerações”.

Talita Santos, 28, é chefe de cozinha social do Projeto Gastromotiva @Léu Britto/Agência Mural

Moradora do distrito do Iguatemi, zona leste de São Paulo, Talita é a entrevistada do último episódio da série Tamo em Crise, parceria da Agência Mural com o Greenpeace. Ela conta ao podcast como se sente diante das notícias da agenda do clima e da contribuição coletiva na construção de soluções.

Segundo a chef de cozinha, é preciso enxergar a crise climática como um problema público. “Não é só um grupo de pessoas que precisam fazer parte da mudança. Todo mundo é responsável de alguma forma, mas tem potencializadores”, completa, citando a participação das grandes empresas na poluição do meio ambiente.

É justamente no controle dessas ações que surgem as chamadas medidas de mitigação. O estrategista de campanhas de clima e justiça do Greenpeace Brasil, Rodrigo Jesus, explica que esse tipo de medida age diretamente na causa da crise ambiental, ou seja, a emissão de gases de efeito estufa, o desmatamento e a poluição dos rios. Um exemplo de medida de mitigação são os “inventários de emissão”.

“É basicamente um controle, que faz com que cada atividade econômica contabilize quanto está emitindo e o quanto está deixando de emitir. As medidas de mitigação servem para controlar que essas emissões continuem subindo na atmosfera em níveis gradativos”, diz Rodrigo.

Há também as NDCs (Contribuição Nacionalmente Determinada), um compromisso de cada país que aderiu ao Acordo de Paris.

“São normas para controlar uma das grandes atividades de emissões de gases de efeito estufa aqui do nosso país que é o uso do solo [o setor da agropecuária]. O Brasil se compromete a fazer com que essas emissões sejam cada vez mais reduzidas, levando em consideração o setor que mais emite.”

O compromisso do Brasil é o de reduzir as emissões em até 37% até 2025, 10 anos após a assinatura do acordo; e em 43% até 2030.

De acordo com a atualização divulgada pelo BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) em 14 de março, o país evitou a emissão de 99,3 milhões de toneladas de CO2 (dióxido de carbono) entre 2015 e 2022. Segundo o banco, essa quantidade equivale a 18 anos sem carros em toda a região metropolitana de São Paulo.

Ações do presente

Enquanto as medidas de mitigação atuam no combate às causas da crise climática, existem também as medidas de adaptação. Estas atuam nas consequências da crise, seja tanto no apoio às vítimas das catástrofes quanto na prevenção para que novos eventos extremos não causem mais danos. Em resumo, é para garantir a nossa sobrevivência.

Medidas de adaptação devem considerar as desigualdades, sobretudo em áreas de risco @Ira Romão/Agência Mural

“As medidas de adaptação correspondem às ações do presente, o que a gente pode fazer hoje em termos de infraestrutura, ações para reduzir o impacto direto desses eventos extremos”, explica o especialista. Por eventos extremos, entende-se as chuvas cada vez mais intensas, enchentes e deslizamentos.

“Não adianta olhar somente para o fenômeno natural, mas entender que existe uma base histórica de desigualdades e de racismo que impera no país e que é preciso também levar em consideração enquanto medida de adaptação”

Rodrigo Jesus, estrategista de campanhas de clima e justiça do Greenpeace Brasil

Rodrigo também destaca a participação da população, seja para dar ideias quanto para promover ações nas comunidades.

“Precisa existir essa visão de que a periferia e a favela sabem fazer política pública. Muitos dos processos de políticas públicas não levam em consideração a participação popular porque acham que o povo não tem o que contribuir, não tem formação técnica o suficiente, não é formada academicamente. Isso é uma concepção errônea e racista”, reforça Rodrigo.

Ele explica que é preciso diferenciar as formas de participação social no que diz respeito à adaptação climática. Há a atuação da população nas conversas, na elaboração das políticas públicas, incluindo as chamadas adaptações autônomas.

“A adaptação climática envolve um planejamento mais amplo, uma estratégia mais abrangente, mas que pode ter ideias do próprio território. São iniciativas que podem servir de exemplo sobre como fazer projetos sociais com participação popular.”

Um exemplo de ação comunitária que também pode ser entendido como uma adaptação autônoma é o trabalho do Periferia Sustentável, que atua na Favela da Paz, na região do Jardim Ângela, zona sul de São Paulo.

Projeto cultiva alimentos orgânicos e faz reaproveitamento da água da chuva @Reprodução

São promovidos trabalhos que visam a distribuição de energia limpa por meio da implantação de painéis solares nas casas da comunidade, além de realizar o cultivo de alimentos orgânicos e reaproveitamento da água da chuva.

“A Favela da Paz é a primeira microgeradora de energia fotovoltaica [fonte de energia renovável e limpa] dentro de uma comunidade no estado de São Paulo e a segunda do Brasil. Estamos para virar uma cooperativa, uma associação de energia, com 110 painéis”

Fabio Miranda, fundador do Periferia Sustentável

Ao Tamo em Crise, ele falou sobre tecnologias sociais e o impacto que isso pode gerar nas comunidades, como forma de lidar com a crise do clima.

Planos de emergência climática

Sobre as medidas de adaptação como política pública, um dos problemas apontados por Rodrigo Jesus é a falta de valor jurídico dos documentos, como os “planos de emergência climática” que as cidades produzem.

“Eles precisam estar articulados com o plano de desenvolvimento urbano, [pois] são ações de infraestrutura, que demandam reordenamento do território. Precisa estar em formato de lei na cidade. Sem participação popular, sem metas que conversam com o território e sem formato de lei, eu estou fazendo um plano para ser inútil”, ressalta.

Para o estrategista do Greenpeace, a efetivação de políticas de mitigação e adaptação podem sim trazer uma perspectiva positiva sobre o futuro no planeta e, de alguma forma, trazer um alívio para a ansiedade ecológica – citada no início desta reportagem.

“Esses temas [sobre crise climática] estão cada vez mais centrais e interconectados com outros temas, com outros movimentos de lutas históricas, como a luta por moradia e por reforma agrária, e outras demandas populares e de organizações da sociedade civil do que antes.”

“Os movimentos, projetos e iniciativas que surgem nas comunidades podem servir de experimentação, com novas perspectivas e demandando que sejam reconhecidas enquanto medidas de adaptação pelo poder público”, conclui.

Clique aqui para ler todas as reportagens da série Tamo em Crise.

Esta reportagem foi produzida com apoio da Report For The World

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Cleberson Santos

Correspondente do Capão Redondo desde 2019. Do jornalismo esportivo, apesar de não saber chutar uma bola. Ama playlists aleatórias e tenta ser nerd, apesar das visitas aos streamings e livros estarem cada vez mais raras.

Gabriela Carvalho

Jornalista, comunicadora visual, mestra em Mídia e Tecnologia e pós-graduada em Processos Didático-Pedagógico para EaD. É correspondente do Jardim Marília desde 2019. Também é cantora de chuveiro, adora audiovisual e é louca por viagens.

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