Isabela Alves/Agência Mural
Por: Isabela Alves
Notícia
Publicado em 13.05.2024 | 14:02 | Alterado em 13.05.2024 | 14:31
Após três anúncios de inauguração não realizados, a Prefeitura de São Paulo deu início nesta segunda-feira (13) ao transporte hidroviário Aquático, no extremo-sul de São Paulo. Os barcos vão operar do bairro do Cantinho do Céu, no Grajaú, até a região de Mar Paulista, na Pedreira.
A novidade deve atender 385 mil pessoas, segundo a prefeitura. Atualmente, só existe uma via de locomoção no distrito do Grajaú para o distrito vizinho que é a avenida Dona Belmira Marin. O deslocamento feito por ônibus ou carro pode demorar entre 45 minutos e 1 hora e 20 minutos para chegar ao terminal. A travessia pela represa tem o tempo estimado de 17 minutos.
O projeto prevê duas embarcações para o transporte de 60 passageiros sentados. O espaço conta com acessibilidade para pessoas com deficiência, banheiro, espaço para levar bicicletas, ar-condicionado, tomada USB para carregar o celular e televisão.
Inicialmente, o serviço funcionará das 10h às 16h, em operação assistida (fase de testes). As viagens serão gratuitas nesse início, e os barcos sairão a cada 30 minutos, todos os dias.
A chegada do transporte vem em meio a questionamentos sobre a questão ambiental. Uma pesquisa realizada pela USCS (Universidade de São Caetano do Sul) em parceria com a USP (Universidade de São Paulo) em 2019, apontou que alguns trechos da represa têm manchas tóxicas na água.
A educadora Uiara de Souza Dias, 41, diretora da Meninos da Billings, está à frente do ativismo ambiental na região desde 2022, após a morte do marido, Adolfo Ferruge, idealizador do projeto social e que era defensor da criação do transporte público sobre as águas no bairro.Ela acompanha de perto as discussões sobre a represa.
“Antigamente, a gente enxergava a represa como um esgoto, algo negativo. Ele sempre foi muito político e via o quanto de potencial isso aqui tinha”, reflete Uiara.
A educadora ambiental aponta que, seis anos depois desse estudo, as águas continuam sujas. No entanto, com a criação dos parques lineares feita pela Semurb (Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo), por meio do Seab (Setor de Educação Ambiental e Biblioteconomia), o esgoto já não vai diretamente para a represa.
Mas ainda precisam ser discutidas as problemáticas do lixo que vão para as águas quando chove. Para ela, esse novo olhar e contato com a represa irá estimular a conscientização sobre a preservação ambiental na região.
‘A represa também é um território nosso e o acesso a ela ainda é novo. As casas hoje estão em frente a represa, então ela faz parte do nosso quintal. Faz parte de nós’
Uiara Dias, do Projeto Meninos da Billings
Ferruge
O ativista era cria do bairro, professor e um grande comunicador social do Grajaú. Ao perceber as mudanças que ocorreram na região com a construção do Parque Linear Lago Azul, inaugurado em 2011, e a curiosidade das crianças em remar na represa, ele enxergou o potencial da ocupação da Represa Billings. Começou a trazer o esporte de remo para a quebrada e fazer movimentos culturais com as embarcações. Ele morreu em 2022.
Os moradores esperam o começo do projeto para saber o quanto ele será efetivo como opção para quem sair do bairro para ir ao trabalho ou estudar.
“Quando nós chegamos aqui, não tinha água, luz, asfalto e o povo foi se achegando. Como tem tudo aqui dentro, as pessoas só saem para trabalhar. O ideal seria focar nesse projeto para as pessoas experimentarem e ver o melhor trajeto para elas”, diz a líder comunitária Valéria Carvalho, 54, moradora do Jardim Prainha há 27 anos.
Ela e Josiane Ribeiro dos Santos, 49, líder comunitária e professora do EJA (Educação de Jovens e Adultos) acompanham as transformações vividas pelo bairro nos últimos anos. “Antigamente, tinham muitas casas e esgoto a céu aberto, e hoje estamos vendo a mudança”, diz Josiane, que mora no Cantinho do Céu há 22 anos.
Entre as alterações está a construção do Parque Linear Cantinho do Céu. A obra levou 628 famílias que viviam nas áreas de risco às margens da represa terem as casas desapropriadas. A grande maioria delas foi transferida para apartamentos no Jardim Apurá e na Chácara do Conde, enquanto alguns ainda recebem o aluguel social enquanto aguardam pela moradia.
A inauguração deveria ter ocorrido no dia 27 de março, dia do 99º aniversário da Represa Billings, mas foi anulado pela justiça a pedido do MPE (Ministério Público Estadual), por conta da falta de licenças ambientais
A SPTrans, gestora do sistema municipal de transporte coletivo, entrou com um recurso no qual o desembargador Nogueira Diefenthaler apresentou os alvarás emitidos pela Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) autorizando a operação das embarcações. Segundo a decisão, o transporte não trará riscos de danos ambientais.
O transporte, operado pela empresa Transwolff, teve outras duas inaugurações barradas: a primeira deveria ter ocorrido em 30 de setembro de 2023, que foi adiada para o mês de dezembro.
Em janeiro, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) também postou um vídeo nas redes sociais ao lado do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) afirmando que a operação se iniciaria no final de fevereiro, o que não ocorreu.
A ideia da implementação do transporte hidroviário em São Paulo vem da lei proposta por Nunes na época em que era vereador e que foi sancionada em 2014 pelo então prefeito Fernando Haddad (PT). A Lei 16.010/14, foi elaborada com o apoio técnico do Grupo Metrópole Fluvial da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.
“Eles [O MP] vieram falando que estava trazendo danos nas rochas da beira da represa, porém na construção da obra foram colocadas pedras para não ter esse dano. Todo mundo quer o transporte”, diz Robson Almeida, gestor do Parque Linear Cantinho do Céu.
Segundo o gestor, as rochas estão presentes na etapa 5 e 6 e estão às margens da represa, então conforme o barco passa, se cria uma onda que bate nelas.
A construção do atracadouro teve início em novembro de 2023 e mais de 60 profissionais trabalharam na obra. “Para quem pega a Belmira, nem é tanto o trabalho que cansa a gente. É a espera do transporte”, diz o gestor.
Ao chegar no outro atracadouro na Pedreira, haverá ônibus que levam o passageiro para o Shopping Interlagos ou o Shopping SP Market.Atualmente, estão ocorrendo projetos em prol da limpeza do Rio Pinheiros e Tietê para a extensão do transporte hidroviário para toda cidade.
Para o futuro, existe a promessa de outra linha hidroviária, na Represa Guarapiranga, conectando o distrito do Capão Redondo a região de Santo Amaro, Socorro e Cidade Dutra.
Graduada em jornalismo pela Universidade Anhembi Morumbi (UAM) e pós graduanda em Mídia, Informação e Cultura pelo Celacc/USP. Homenageada no 1° Prêmio Neusa Maria de Jornalismo. Correspondente do Grajaú desde 2021.
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