Importante para o desenvolvimento, fase vai de zero a seis anos de idade; especialistas comentam
Por: Redação
Publicado em 14.02.2020 | 16:17 | Alterado em 14.02.2020 | 16:17
A brincadeira favorita de Ana Vitória, de um ano e dois meses, é encaixar bloquinhos coloridos. Todos os dias, ela acompanha a mãe, Andreza da Conceição, 29, no trabalho, um salão de cabeleireiro em Jordanópolis, na zona sul da capital paulista. Entre as brincadeiras, intercala mamar e assistir desenhos.
Ana está em uma fase especial da vida: a primeira infância. De acordo com especialistas, neste período, que compreende de zero a seis anos de idade, o cérebro se desenvolve em sua maior potência.
Na última quarta-feira (12), a Rede Nossa São Paulo e a Fundação Bernard van Leer lançaram a segunda edição do Mapa da Desigualdade na Primeira Infância, que avalia diferentes áreas da administração pública e como elas impactam na vida das crianças.
O 32xSP conversou com especialistas e mães para entender qual a importância desta fase e como as disparidades podem influenciá-la.
A PRIMEIRA INFÂNCIA
Para Mariana Luz, CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, os primeiros seis anos podem impactar nas respostas que o cérebro dará para diversas situações ao longo da vida.
“O cérebro não nasce pronto. Ele sofre interferência do meio. Essa interferência pode ser positiva ou negativa. O ambiente adequado para que a interferência seja positiva é feito de vínculos afetivos, segurança, estímulos positivos, alimentação e higiene adequadas”, explica. Além da parte psicológica e neurológica, neste período há também um rápido desenvolvimento físico.
A professora Mayara Santiago de Arruda, 30, mãe do Francisco de dois meses, começou a estudar sobre a primeira infância ainda na gravidez.
“Desde a gestação lutei por um parto humanizado para que minhas vontades fossem atendidas e eu fosse protagonista daquele momento para que, assim, pudesse oferecer ao meu filho o melhor que eu podia desde a sua chegada ao mundo”, conta a moradora da Vila São Francisco, bairro da zona oeste.
“Sei que este é um dos momentos mais importantes para a construção social e o desenvolvimento pessoal do Chico. Por isso tenho essa preocupação com a minha presença e acompanhamento em cada momento”
Mayara Santiago, professora e mãe do Francisco
A preocupação com o desenvolvimento nesta fase da vida é compartilhada com a engenheira da computação Fabiana Campos, 41. Com 13 semanas de gestação, ela também é mãe da Maria Paula, de um ano e sete meses.
“Desde que pensamos em ter filhos, começamos a pesquisar e conversar com as pessoas e consultamos muito os livros, que nos ajudaram a entender sobre a primeira infância”, conta.
“O que eu aprendi foi que esses primeiros anos são muito importantes para formação dos valores, caráter e personalidade, porque a velocidade do aprendizado é muito grande, então procuramos ajudá-la no seu desenvolvimento com brincadeiras e músicas.”
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“Nesta fase a criança precisa de um ambiente fisicamente e psicologicamente seguro para se expressar e de interações de qualidade, como responder ao que a criança fala ou balbucia; fazer perguntas e reagir às reações dela. Ou seja, dar atenção e estar presente”, explica Mariana Luz.
LEGISLAÇÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS
Para garantir que todas as crianças tenham um desenvolvimento saudável e seguro, existem leis com foco na infância e primeira infância. “A própria Constituição Federal, no artigo 227, estabelece que todas as crianças e adolescentes devem ter seus direitos reservados como prioridade máxima”, explica Thaís Dantas, advogada do projeto Prioridade Absoluta, do Instituto Alana.
Além disso, em 2016 foi estabelecido o Marco Legal da Primeira Infância, que fixa diretrizes gerais de políticas públicas para essa faixa etária. A partir dela, estados e municípios começaram a desenvolver legislações focadas em atuar nesta etapa da vida.
A cidade de São Paulo, por exemplo, conta com um Plano Municipal pela Primeira Infância (PMPI), lançado em 2018 pelo prefeito Bruno Covas (PSDB).
“O papel do PMPI é articular diferentes setores da administração municipal com o objetivo de estabelecer metas e complementar suas ações, para cumprir o dever do Estado na garantia da prioridade absoluta dos direitos das crianças, previsto na Constituição Federal”
Mariana Luz, CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal
Apesar disso, para Thais, o poder público municipal ainda tem muito o que fazer. “Esse é um passo importante, mas não é suficiente. Mais que os termos do plano é importante que esse plano seja implementado e a implementação seja fiscalizada para que efetivamente as condições da primeira infância possam ser melhoradas e os direitos assegurados”.
CIDADE ACOLHEDORA
“Eu gostaria que o Chico crescesse em um cidade plural, onde ele se sentisse confortável para ser quem é, sem medo de represálias. Uma cidade que valorize a cultura e que a cultura seja também possível de se ver nas ruas de forma acessível. Uma cidade com menos desigualdade social”.
Para que o desejo de Mayara se torne possível, há muitos desafios a serem enfrentados em São Paulo.
O Mapa da Desigualdade da Primeira Infância mostrou uma cidade desigual, na qual metade das crianças de Marsilac não possui banheiros em casa, enquanto em outros 27 distritos quase todas elas (99%) os têm. Uma cidade na qual o tempo de espera para consultas com pediatra é 10 vezes maior na Brasilândia do que no Jardim Ângela.
“Um foco na infância ajuda a superar problemas de desigualdade que são estruturais e estruturantes na nossa sociedade, principalmente falando de desigualdade de gênero, de racismo, de classes sociais, da inclusão de pessoas com deficiência”, opina Thais.“É fundamental que as políticas relacionadas a primeira infância adotem também esse enfoque”.
Uma cidade menos desigual para todos também beneficia as crianças: “Um provérbio africano diz que é preciso uma vila inteira para cuidar de uma criança. Nada mais verdadeiro”.
“Um pai ou uma mãe que convive permanentemente com o medo de perder o emprego vivencia um nível de tensão que o impede de exercer a parentalidade da forma como poderia. Ter dentro de casa alguém doente sem acesso ao tratamento adequado também afeta o ambiente e a criança”, pondera Mariana Luz.
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