Casos de abandono de cães e gatos cresceram 70% no país em 2020, mas número de adoções também teve um salto; conheça o trabalho de projetos e ONGs na Grande SP
Arquivo Pessoal
Por: Eduardo Silva
Notícia
Publicado em 26.04.2021 | 17:02 | Alterado em 07.03.2023 | 11:44
Todas as noites, a diarista Dilma Senhorini, 51, sai de casa com dois baldes de ração e vai em direção ao terminal de ônibus no centro de Francisco Morato para alimentar de 15 a 20 cães que vivem pelas ruas da região.
Moradora do município, que fica na Grande São Paulo, ela também alimenta outros cães e gatos que encontra ao longo do trajeto. Ao todo, são em torno de 60 animais.
A rotina é repetida diariamente há dois anos e meio, e não mudou com a pandemia de Covid-19 – que completou um ano no país em março. “Não posso faltar porque fico com a sensação de que eles estão me esperando. E eles realmente me esperam”, conta.
Para receber ajuda com doações, resgates e compra de rações, Dilma mantém, também há dois anos, a página SOS Anjos de Morato no Facebook. Ela comenta que, desde o início da pandemia, sentiu o número de abandonos de cães e gatos crescer, não só em Francisco Morato, mas em todo lugar.
Um levantamento da Ampara Animal (Associação de Mulheres Protetoras dos Animais Rejeitados e Abandonados), feito em 92 abrigos de 12 estados, mostrou que o abandono de animais domésticos cresceu de 60% a 70% entre julho de 2020 e fevereiro de 2021 (em comparação com 2019). Problemas financeiros e adoções por impulso durante a quarentena são possíveis motivos para o cenário.
“A pandemia veio e as pessoas, além de não terem muita compaixão, estão tendo dificuldades financeiras. Muitas estão sem trabalho, sem poder dar alimentos para os próprios filhos. Então, por desespero, colocam os cãezinhos e gatinhos na rua.”
No terminal, havia 42 cães até novembro de 2020. Em janeiro deste ano, Dilma havia conseguido um lar para 39 deles. Mas, em pouco tempo, novos animais começaram a aparecer. A maioria é de cães SRD (sem raça definida – o popular vira-lata), de pelo curto e preto.
Um deles, de nome Neguinho, conseguiu segui-la até em casa e foi adotado por ela. “Do chão do terminal para a cama de um lar”, é o que ela costuma falar sobre ele e todos os outros animais que conseguem um lar graças à página e às pessoas que a apoiam.“Perdi as contas de quantos animais foram resgatados e adotados. Mas passam de 100.”
Apesar disso, a percepção de alta durante a pandemia não é unânime entre organizações que atuam no tema.
Segundo a UIPA (União Internacional Protetora dos Animais), que tem sede em São Paulo, não houve necessariamente um aumento no número de abandonos neste período, visto que este “é alto em todos os períodos do ano, independentemente da existência de uma pandemia”.
Por outro lado, foi observado um aumento de 400% na procura pela adoção e de 200% de adoções nos primeiros meses da pandemia.
“Isso porque nem sempre a procura termina em adoção, seja porque o adotante não satisfaz nossos critérios ou porque ele não encontrou o animal que procura”, afirma Vanice Orlandi, presidente da ONG. “Neste ano, notamos um decréscimo nas adoções.”
Em Cidade Tiradentes, na zona leste da capital, a situação não é diferente. A moradora Eliana Alves, 44, é protetora independente de animais há sete anos. Ela conta que as adoções aumentaram no último ano, mas o número de abandonos também é grande.
“Aqui sempre tem desova. A gente resgata um cachorro e aparecem outros três. Geralmente não são as pessoas do bairro que fazem isso, são pessoas que vêm de longe, abrem a porta do carro e abandonam”, lamenta.
Muitos animais aparecem doentes, levando Eliana e outras protetoras locais a custear medicamentos e consultas veterinárias para tratá-los.
“Geralmente peço doação. Quando não vem, a gente rifa uma coisa ou outra”, relata a protetora, que recentemente precisou rifar um tanquinho de lavar roupas através do Facebook.
Morador de Guarulhos, na Grande São Paulo, o analista de abastecimento Gabriel Chaves, 30, mantém desde 2019 o projeto Casa do Vira-Lata com ajuda da família e do namorado. Atualmente, 80 gatos e 18 cães estão sob os cuidados dele – e disponíveis para adoção.
“Moro numa região muito periférica, então é normal ter cães na rua, infelizmente. Não consigo ter uma dimensão de cães ‘novos’ ou ‘antigos’”, conta.
Gabriel também sentiu um aumento no número de adoções neste período de pandemia, pois, segundo ele, muitas pessoas estão sozinhas em casa.
“A gente vem preparando as pessoas com um trabalho de conscientização, pois elas vão inserir um animal numa rotina [durante a pandemia] que não era a nossa, e isso vai passar um dia. Quando a vida começar a voltar ao normal, vai ter um bichinho já introduzido naquela rotina”, explica.
Gabriel tem quase 100 animais para adoção na Grande São Paulo @Arquivo Pessoal
Gabriel tem quase 100 animais para adoção na Grande São Paulo @Arquivo Pessoal
Para levar os cães e gatos aos novos lares e voltar para casa, os cuidados com a Covid-19 também precisam ser redobrados.
“Na rua, uso máscara e álcool em gel o tempo todo. Quando vou à casa do adotante e levo um gato, preciso soltar o animal e acompanhar, não posso dar no colo. Nesse trajeto, a gente leva álcool em gel e toma todo o cuidado possível”, comenta Gabriel.
Vale lembrar que cães, gatos e outros animais domésticos não transmitem a Covid-19 para as pessoas. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), este tipo de coronavírus é transmissível apenas entre seres humanos.
Embora não exista uma estatística oficial, a OMS estima que existam cerca de 20 milhões de cães e 10 milhões de gatos abandonados no Brasil. “O maior problema é a falta de castração em massa. Porque se há castração, há a oportunidade de ter menos animais nas ruas”, afirma a protetora Eliana Alves.
A opinião é compartilhada por Dilma Senhorini. Ela conta que Francisco Morato não tem serviço de castração gratuita pela prefeitura, nem hospital público para animais. “Muitos municípios têm ‘castramóvel’, castrações gratuitas ou preços mais acessíveis. Seria uma grande solução, mas dependeria do poder público.”
Segundo a prefeitura, uma campanha municipal para castração de cães e gatos será realizada em parceria com uma clínica veterinária da cidade, mas “devido à pandemia e aos esforços para contê-la, o cadastramento de animais e liberação das vagas foi adiado temporariamente”.
Posteriormente, a data de abertura do cadastramento será divulgada nos canais oficiais da Prefeitura de Francisco Morato e nas redes sociais.
Na cidade de São Paulo, há três hospitais veterinários públicos que oferecem serviços gratuitos de consultas, cirurgias, exames e internação.
Gabriel Chaves considera que a primeira coisa a ser feita para reduzir o número de cães e gatos nas ruas é barrar a venda e a compra de animais domésticos.
“Quem quer um bichinho, ao invés de comprar, adote. Assim a gente vai ter uma conscientização de que esses animais amam igualmente. Eles estão nas ruas porque foram vítimas do abandono e de um descaso humano. Cabe a nós reverter isso.”
No Brasil, o abandono de animais é um crime federal desde o ano passado e pode render até cinco anos de prisão. O mesmo vale para o crime de maus-tratos.
A Prefeitura de São Paulo também possui um serviço de adoção de cães e gatos (além de cavalos e porcos). Confira a lista de animais para adoção aqui.
Editor-assistente da Agência Mural. Fã de cultura pop, música, gatos e filmes de terror. Correspondente de São Miguel Paulista desde 2017.
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