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Por: Gabriela Carvalho
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Publicado em 10.11.2022 | 19:40 | Alterado em 15.11.2022 | 7:28
Uma mãe periférica que busca pelo paradeiro do filho é o tema explorado em “A Mãe”, filme de Cristiano Burlan, 47, que estreia neste dia 10 de novembro nos cinemas brasileiros. A produção esteve presente na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo deste ano e também foi exibida pela primeira vez no 50º Festival de Cinema de Gramado de 2022.
Gravado no Jardim Romano, bairro do Jardim Helena, na periferia da zona leste da capital paulista, o longa conta com os moradores da região para compor parte do elenco. Retratando a violência policial, o diretor busca representar o sofrimento de mães que, muitas vezes, não conseguem nem mesmo enterrar o próprio filho.
“É uma história pessoal. Meu irmão foi assassinado na periferia de São Paulo em 2001 por uma quadrilha comandada aparentemente por policiais militares, apesar de nunca ter sido comprovado”, explica Burlan.
Além da experiência pessoal, o que também motivou o diretor a construir tal projeto foram outros fatos e referências que mostravam a luta de mães pelo direito de vivenciar o luto.
“Em 2006, após ações do Primeiro Comando da Capital (PCC), a Polícia Militar do Estado de São Paulo foi autorizada a ir atrás de quem comandou os ataques e quem sofreu essa violência foram os jovens pretos e periféricos”.
Como reação à violência do Estado, surgiu no mesmo ano o grupo “Mães de Maio”, formado por mulheres que perderam os filhos nos ataques. Débora Silva, líder do grupo, também participa do filme como uma das personagens.
“Morreram quase 500 pessoas, muitos deles jovens. Parte desses crimes não foram resolvidos e alguns corpos não foram encontrados”
Cristiano Burlan, diretor do filme
Segundo ele, desde o início, o Jardim Romano foi imaginado como um cenário importante para retratar a história. “Ana Carolina Marinho é minha parceira de criação. Ela reside artisticamente no bairro e é roteirista do filme. Foram sete anos de desenvolvimento, captação de recursos e laboratórios até o fim das filmagens”, conta ele.
Por conta da roteirista, o grupo de teatro Coletivo Estopô Balaio, que atua na região, também participou da produção e ajudou a compor o elenco. “O coletivo deu espaço para o meu corre artístico. Fiz parte do espetáculo ‘A Cidade dos Rios Invisíveis’ e assim fui construindo minha arte”, conta Dunstin Farias, 25, rapper e ator que interpreta Valdo, o filho desaparecido de Maria.
Já a mãe retratada no filme foi pensada para quem a atuação da personagem seria destinada. “Se não fosse Marcélia Cartaxo, não teria sido gravado”, revela Burlan. O diretor construiu a história de Maria visualizando a atuação da atriz conhecida por interpretar Macabéa, de “A Hora da Estrela”.
“Mergulhamos a fundo na temática. O processo de trabalho foi focado na comunidade, vivenciei a Maria lá dentro. Foi doído, mergulhei tão profundamente que senti emoção ao olhar as mães que passaram por isso”, conta Marcélia.
“Ter contato com isso é violento demais, nenhuma mãe de qualquer classe que seja merece passar por isso. Muito menos quem vive nas periferias. Por que o trato tem que ser violento onde mais se precisa ser assistido?”, questiona a atriz.
Não é de hoje que o Jardim Romano tem uma cena cultural de destaque. Segundo Dunstin Farias, a formação artística dele foi toda pelo bairro. “A primeira vez que cantei em um lugar lotado foi no teatro do CEU [Centro Educacional Unificado], minha escola foi inteira assistir. Meu tio vivenciou o universo do teatro desde muito cedo, então cresci nesse meio”, conta.
O Coletivo Estopô Balaio, do qual o ator participa, já trazia apresentações teatrais para o bairro. Mas o filme trouxe uma nova proporção. “É a primeira vez que o Jardim Romano teve uma produção audiovisual desse tamanho. Então é possível ver a paixão dos moradores vendo a própria quebrada sendo representada”, comenta.
“Geralmente, quando aparece a periferia, é com outro tipo de abordagem. No processo de filmagem na quebrada, tivemos o povo, nossa gente sendo representada ali”
Dunstin Farias, ator do filme
Além disso, para o ator e rapper, a vivência de filmagens no bairro trouxe outra perspectiva. “Isso gerou muitos frutos, esperança para as pessoas. As crianças passam a ver de forma diferente e dizem ‘onde eu moro fizeram um filme’”.
Segundo ele, a experiência de set foi bastante importante. “A vivência com a Marcélia Cartaxo foi incrível. Quando encontrei com ela pela primeira vez, desde já, ela foi como uma mãe mesmo”, conta.
Por ter parte dos moradores no elenco ou como figurantes, Dunstin teve até mesmo a própria mãe contracenando com Marcélia Cartaxo.
“Uma parte do filme que a Maria pergunta onde o Valdo está, ela pergunta para a minha mãe biológica. E era para minha avó estar na filmagem também, mas ela faleceu um pouco antes. Mas eu ficava treinando com ela, então significou muito, é muito ancestral”.
Para Burlan, a esperança é de que o filme seja visto e debatido. “O cinema não dá conta da realidade, ele é o que é possível. Mas espero que o filme possa falar com as pessoas e não sobre as pessoas. Pois não é algo natural uma mãe enterrar um filho e até mesmo não ter acesso ao corpo do filho”, conclui o diretor.
O filme estará sendo exibido do dia 10 a 16 de novembro em cinemas das cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Santos, Manaus, Aracaju, Palmas, Vitória, Recife, João Pessoa, Salvador e Brasília.
Jornalista, comunicadora visual, mestra em Mídia e Tecnologia e pós-graduada em Processos Didático-Pedagógico para EaD. É correspondente do Jardim Marília desde 2019. Também é cantora de chuveiro, adora audiovisual e é louca por viagens.
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